sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Gesang der Jünglinge

Apesar de esta obra se encontrar já no disco do post anterior, decidi dedicar-lhe um post só para ela por várias razões. Desde logo, porque foi a primeira obra de Karlheinz Stockhausen que ouvi, ainda adolescente, na Antena 2 da RDP, e logo me despertou a atenção, de tal modo, que me obrigou a decorar aquelas palavras numa língua que, infelizmente, ainda hoje não conheço como devia: Gesang der Jünglinge. [Uma tradução comum (penso que por influência francesa) é Canto dos Adolescentes. Mas ela pode traduzir-se simplesmente por Canto dos Jovens, como está traduzido na versão portuguesa do Livro de Daniel.] E, para além disso, porque é uma das obras mais emblemáticas do compositor alemão recentemente falecido e que cruzou nela uma série de inovações que marcaram a história da música contemporânea do pós-guerra.
Trata-se de uma peça inspirada no episódio da fornalha ardente, no Livro de Daniel, onde o rei Nabucodonosor havia condenado três jovens hebreus, que se haviam recusado a idolatrar a sua estátua em ouro, a arderem numa fornalha de grandes labaredas. A sua fé, no entanto, impediu que as chamas queimassem os jovens, os quais em vez de serem consumidos pelo fogo, entoavam cânticos de louvor a Deus. E é justamente a partir da voz de um jovem que entoa "Preiset den Herrn", entre outras frases retiradas daquele livro, em alemão, que Stockhausen compõe, cruzando-as com fontes electrónicas e usando os efeitos de estúdio permitidos pela tecnologia de vanguarda da NWDR, este Gesang der Jünglinge.

Esta pode ser considerada a primeira grande obra prima da música electro-acústica, na medida em que, nela se cruzam as experiências parisienses da Música Concreta (Stockhausen este em Paris e aprendeu com Pierre Schaeffer o seu novo método de "composição") e as inovações tecnológicas da Música Electrónica, tipicamente alemã. Por outro lado, consegue pela primeira vez juntar de uma forma equilibrada e consequente a voz humana com as fontes electrónicas. Mais ainda, aplica a "filosofia" do serialismo integral, de modo pleno [facilitado pela tecnologia] mas esteticamente consistente [não sendo um mero exercício experimental], a uma obra que vive muito para além do academismo teórico de muitas experiências serialistas depois de 1945. Significa isto, que Stockhausen tratou todos os elementos do evento musical (alturas, timbre, duração, intensidade), quer fossem provenientes dos osciladores, quer fossem produzidos pela voz humana, com as mesmas séries pré-determinadas, permitindo-lhe obter uma coerência formal no resultado final; mas que não obstante o artifício e intelectualismo deste método, conseguiu imbuir a sua obra com uma força expressiva e dramática que nos pode fazer esquecer esse academismo genético. (Nem todos os compositores ou obras se poderão gabar do mesmo.)
Para dados mais completos e uma análise da obra, consulte-se. John Smalley, Gesang der Jünglinge: History and Analysis, 200.

Para ouvir: Karlheinz Stockhausen: Gesang der Jünglinge
[Nesta ligação, encontra-se só mesmo esta peça, que pode ser descarregada mais rapidamente.]