quinta-feira, 31 de maio de 2007

Polifonia renascentista

A polifonia já havia aparecido no século XII, com o organum melismático de Pérotin e Léonin, e ganhara um certo desenvolvimento no séc. XIV (por exemplo, nas missas de Machaut de quem já aqui se destacou a de Notre-dame), com a progressiva independência das vozes em relação ao cantochão, mas foi sobretudo no fim do século XV, com as polifonias sagradas de Ockeghem, que atingiu um elevado grau de complexidade (o "Deo Gratias" neste disco é a 36 vozes!) e sofisticação. No século seguinte, sob a influência do Concílio de Trento e de uma Contra-Reforma nascente, o pudor desaconselhava a exuberância das composições demasiado faustosas, mas nem por isso, Josquin Desprez (discípulo de Ockeghem) se conteve no número de vozes (24) deste motete, "Qui Habitat". [A razão deste post foi precisamente a re-descoberta deste motete, usado como banda sonora no plano final de "Vai e Vem" de João César Monteiro, cuja letra é retirada do livro dos Salmos (90).]
Este disco é uma colecção de polifonias desde finais do século XV até à segunda metado do séc. XVI. Thomas Tallis foi um dos principais compositores renascentistas ingleses (cliquem no nome para saberem mais) - "Spem in alium" é um motete a 40 vozes; Costanzo Porta
foi um representante da Escola de Veneza, tal como Giovanni Gabrieli, de quem se podem ouvir o "Sanctus"(13) e o "Agnus Dei"(14) da Missa Ducalis e "Exaudi me Domine"(16), respectivamente; Pierre de Manchicourt era um franco-flamengo, discípulo de Ockeghem, a par de Josquin Desprez, de quem também recebeu grande influência, e dele se ouve o motete "Laudate Dominum", o mais sóbrio de todos estes, com apenas 6 vozes; Alessandro Striggio, compositor na corte dos Medici, em Florença, terá eventualmente influenciado Tallis com o seu grande motete (40 vozes), "Ecce beatam lucem".

O disco chama-se Utopia Triumphans e é interpretado pelo Huelgas Ensemble, dirigido por Paul Van Nevel.
Have fun!

sexta-feira, 25 de maio de 2007

W.A. Mozart - Requiem K.626

A vida de Mozart (1756-1791) é, no geral, conhecida. É conhecido o seu génio, a forma como espontaneamente conseguia memorizar e criar trechos de música. É conhecido o seu passado de menino-prodígio, de “cidadão do mundo” através das viagens com o pai, Leopold, conhecido violinista, que escreveu um tratado importantíssimo sobre violino que ainda se estuda em algumas escolas.

Mozart tem para mim uma importância específica. Foi o impulsionador do meu interesse pela música erudita. Pela sua jovialidade, com a qual qualquer jovem se identifica facilmente; pela sua genialidade, e os seus traços pitorescos, que todos desejariam copiar e que o fazem extrair-se da ordem comum. Um pouco à imagem do Super-Homem, ou do Indiana Jones, eu já desejei ser Mozart, super-herói, ou arqueólogo famoso. Não fui nenhum deles, mas tenho um blog.

Por isso, deixo-vos aqui o Requiem (K. 626), a última obra de Mozart. È uma obra conhecida, mais pela história que transporta consigo, obscura e misteriosa.

A génese da obra liga-se a uma encomenda feita por um aristocrata austríaco que teria por hábito fazer-se passar por autor de obras que encomendava a compositores famosos. O destino do Requiem de Mozart teria sido esse. Reza a lenda que Mozart acabou por identificar o pedido de um Requiem, que é, no fundo, uma obra para ser tocada num funeral, com a circunstância da sua própria morte. Assim, a obra estaria destinada a ser tocada no seu próprio serviço fúnebre. Mozart já demonstrava sintomas da doença que o consumiria. Não só física mas mentalmente. O filme de Milos Forman, historicamente desacreditado, dá uma visão do que poderá ter sido essa fase final.

O Requiem foi uma obra supostamente acabada por Franz Sussmayer, a pedido de Constanza Weber, mulher de Mozart, que necessitava dela para fazer frente às despesas da casa e dívidas que o casal Mozart tinha. Sussmayer era o aluno preferido de Mozart. Aparentemente, o seu nome fica na história ligado a este episódio, já que não terá escrito nada de significativo. Sussmayer terminou, então, a obra. Não se sabe se terá seguido instruções deixadas por Mozart, ou se terá tentado usar o conhecimento que tinha do seu convívio, para finalizar a obra ao estilo mozartiano. Há quem diga a este respeito que as indicações deixadas por Mozart aquando da sua morte terão sido suficientes para levar a obra a bom termo.

Seja qual for a verdadeira história da génese da obra, é inegável que a obra de Mozart é uma obra-prima do género. De notar que o Requiem de Mozart, no andamento intitulado «Tuba Mirum», utiliza como instrumento base a tuba, um instrumento, até então, completamente desprezado, e cuja sonoridade grave quase impede qualquer protagonismo.

A versão que aqui vos deixo é a da Decca, de Sir Georg Solti com a Wiener Phillarmoniker. A imagem é um pormenor da partitura original do Requiem, com as notas iniciais da obra.

terça-feira, 22 de maio de 2007

Guillaume de Machaut - Messe de Notre Dame


Paris é, no século XIV, palco do surgimento de um importante período inscrito na história da música ocidental. Ars Nova é o termo que designa esse período, identificado com a capital francesa e com um tratado musical de Philippe de Vitry com o mesmo nome.

Guillaume de Machaut (1300-1377) foi um dos artistas maiores dessa época. Compositor, a sua obra, contudo, abarca não somente o campo musical mas igualmente o campo literário, sendo considerado o maior escritor do século XIV francês. Um dos aspectos mais importantes na obra de Machaut resulta do facto de ter sido o primeiro compositor a escrever integralmente uma missa. Das épocas anteriores, apenas existem missas que resultam de compilações de registos esparsos de autores distintos, alguns anónimos. Além disso, Guillaume de Machaut surge na história como o impulsionador da missa como um registo independente, com, digamos, uma dignidade própria no repertório musical.

A obra que aqui partilho, Messe de Notre Dame, foi escrita, numa primeira versão da origem, para a sagração do rei Carlos V na Catedral de Reims em 1364. Esta versão é, no entanto, contestada. Outra versão, indica que teria sido composta entre 1363 e 1365 para a celebração religiosa da Virgem Maria, dai o nome de messe de Notre Dame, e que seria tocada após a morte de Guillaume e do seu irmão Jean de Machaut.

Uma última palavra para a estrutura da obra. A missa respeita o missal romano e as suas cinco partes a que, formalmente, se dá o nome de Ordinário (ordinarium missae). As partes do missal romano são o Kyrie eleison, Gloria, Credo, Sanctus, e o Agnus Dei. Uma última parte dá a missa como finda, Ite Missa-Est. Esta estrutura não se manteve ao longo dos tempos. Se confrontarmos, por exemplo, com o Requiem de Mozart deparamo-nos com outras partes que não constam da obra de Machaut.

A versão que aqui deixo é a do Hilliard Ensemble, sob a direcção de Paul Hillier, da Hyperion. Além da Messe de Notre Dame, o registo ainda contém Le lai de la fonteinne.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Tableau de l'Opération de la Taille

Esta imagem pertence ao tratado de litotomia de François Tolet, de 1682, e representa uma operação cirúrgica com vista a remover os cálculos vesicais. Consistia em abrir a bexiga com instrumentos cortantes para dela retirar pedras que aí existissem. Dado o seu carácter perigoso, Hipócrates havia proibido tal tipo de operações no seu juramento. Porém, há notícia que desde o século XVI, se praticaria por médicos menos escrúpulosos. O paciente era colocado sobre uma mesa inclinada e amarrado por quatro servidores. Uma sonda inserida na bexiga permitia localizar as pedras e avaliar o seu volume. Com a ajuda de um bisturi, cortava-se o perineu, a próstata e a bexiga, depois inseria-se um instrumento que aumentava a abertura para poder abrir caminho à pinça que retiraria os cálculos. Devido aos frequentes maus resultados (desde mortes até sequelas pós-operatórias como a incontinência), a litotomia fora definitvamente proibida no século XIX e substituída pela litotricia, até esta se revelar também de consequências desastrosas.
Por incrível que pareça, tal operação serviu para inspirar uma suite para viola com baixo contínuo a Marin Marais em 1725. Tal peça pretendia, tal como esta imagem, representar a referida operação, tendo o compositor inscrito na pauta certas notas verbais sobre os momentos dessa operação. Nas interpretações modernas da obra, considerada, durante muito tempo, de mau gosto, costuma declamar-se estas notas pois ajudam a formar a imagem mental da operação e acompanhar os momentos musicais em stile rappresentativo.
Marin Marais foi um excelente violista e discípulo de Sainte-Colombe e Lully, contando entre os músicos da corte de Luís XIV desde 1676 (quando tinha apenas vinte anos), ascendendo três anos depois à posição de ordinaire de la chambre du Roy pour la viole, lugar que ocuparia até 1725.
O disco que aqui trago é uma interpretação de Jordi Savall de algumas suites do livro 5º de Marais, onde se incluem Tableau de l'Opération de la Taille e Les Relevailles, precisamente os dois andamentos da suite que pretende representar aquela operação.

Marin Marais - Pièces de viole du Vème livre (Jordi Savall) Harmonia Mundi

P.S.: Descobri esta obra através de um disco ainda mais bizarro que podem encontrar neste blog de uma rádio nova-iorquina, a WFMU

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Enigma Variations - Edward Elgar


Sir Edward Elgar (1857-1934) foi um compositor inglês. Não sendo um clássico (no sentido em que um leigo em música é capaz de o nomear imediatamente, como Mozart, Bach ou Beethoven), ocupou o lugar cimeiro da música erudita inglesa durante o período da sua vida. Foi influenciado por Dvorak e as suas composições caracterizam-se por uma intensa orquestração, o que o faz ser comparado com Richard Strauss, e justifica a forte recepção do seu trabalho na Alemanha.

A obra Enigma Variations foi tocada pela primeira vez em 1899, em Londres, sob a direcção do alemão Hans Richter, sendo de imediato aclamada. O título da obra é, curiosamente, outro. Chama-se formalmente Variations on an original theme. Mas permaneceu Enigma Variations sem que Elgar se explicasse a razão para tal. Na verdade, uma das críticas foi a falta de identificação do título com o ambiente musical da obra que de mistério tem, de facto, pouco. Ainda assim, Elgar parece ter dito que o tema do enigma perpassava toda a obra sem que nunca seja, de facto, ouvido. É, enfim, juntamente com Pomp and Circumstance Marches, a sua obra mais emblemática. Uma nota mais para referir que o Rob D utiliza o trecho inicial do primeiro andamento num tema que compôs para a banda sonora do filme Matrix.

Resta dizer que a versão que aqui deixo é a do John Eliot Gardiner, com a Wiener Philharmoniker. Desejo-vos a todos uma boa audição.

Para mais informação:

Sobre Elgar: http://en.wikipedia.org/wiki/Edward_Elgar; http://www.elgar.org/2english.html

Sobre a obra em particular: http://en.wikipedia.org/wiki/Enigma_Variations

Enigma Variations

terça-feira, 15 de maio de 2007

Euterpe

Euterpe, filha de Mnemosine e de Zeus, era uma das nove musas que inspiraram os criadores. A etimologia do seu nome indica que é aquela que dá prazer, a deliciosa, e, por isso, os poetas fizeram dela a musa da música, tornando-a assim um ser pleonástico da inspiração criativa. Disputando com Mársias a invenção do áulo (por isso a vemos segurando o bífido instrumento no quadro de Pompeo Battoni), ela não é tanto uma figura ligada ao aspecto desmesurado e perturbador da música, como o seu rival, mas antes aparece como figura da harmonia.
E é por isso que inauguro a partilha de música neste blog com um híno a essa mesma harmonia e uma ode ao júbilo que serviu para inspirar também ele uma obra que aspirou, antes mais do que hoje, a uma harmonia, a Europa.
Sobejamente conhecida, esta obra aparece aqui apenas como invocação e não tanto para cumprir o propósito de dar a conhecer. Dispensa apresentações, mas merece que se informe que se trata de uma gravação de 1951 pela Orquestra Sinfónica e o Coro da Rádio da Baviera, dirigidos por Wilhelm Furtwangler. (O segredo está na caixa de comentários)

Ludwig Van Beethoven - Sinfonia nº 9 (Coral), em Ré menor, Op. 125 ou
"Sinfonie mit Schlusschor über Schillers Ode 'An die Freude' für großes Orchester, 4 Solo und 4 Chorstimmen componiert und seiner Majestät dem König von Preußen Friedrich Wilhelm III in tiefster Ehrfurcht zugeeignet von Ludwig van Beethoven, 125 tes Werk" e, como o próprio nome indica, inclui o famoso poema romântico de Schiller.
Rejoice