segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Chants de l´Eglise Milanaise


Após o desmembramento do Império Romano do Ocidente, a música ocidental fica entregue, quase em exlusivo, à instituição que emerge das ruínas romanas: a Igreja Cristã. É dela que fica dependente o desenvolvimento da música, tarefa que é cumprida em estreita dependência com a execução do serviço religioso. Doravante, por motivos religiosos e filosóficos, que veremos de seguida, a música passa a assumir novas funções e a possuir nova tonalidade.
A música antiga encontrava-se já associada aos ritos religiosos, na Grécia, por exemplo, com o culto dos deuses Apolo, Orfeu, Dioniso, etc. Acreditava-se, então, que a música possuiria poderes mágicos capazes de purificar o corpo e o espírito, de curar doenças e de operar milagres na Natureza. A "nova" música medieval não só se situa a um nível exclusivamente religioso, comopartilha algumas convicções teórico-filosóficas com a música antiga. A utilização da palavra, por exemplo, ao ponto da música quase se esgotar na letra, sugere que a música seria uma actividade comum à busca da verdade e da beleza, cara quer aos gregos quer à filosofia medieval. É por isso que, e aqui em ruptura com a tradição pagã, a música quase fica reduzida à verbalização de alguns trechos das escrituras. A verdade e a beleza seria a de Deus e esta estaria, na sua totalidade, contida nas Escrituras. Não valia a pena ir mais longe. A instrumentalização, que na tradição antiga se irmana aos sentimentos e ao corpo, estava, doravante, proibida.
o valor da música media-se, pois, pela propensão para a santidade que estimulava no ouvinte. Só é digna de ser ouvida na Igreja a música que por meio dos seus encantos abre a alma do ouvinte aos ensinamentos cristãos e à santidade. É o retorno da doutrina do Ethos clássica que defendia a acção da música sobre o corpo e a mente (um reconhecimento, alias, contemporâneo. Veja-se a musicoterapia).
Para terminar, um outro traço da ponte que se vislumbra entre a tradição grega e medieval, é a ideia de que a música transporta uma «verdade». Os gregos acreditavam na música «das esferas», numa música, que na sua estrutura, se assemelhava à estrutura do cosmos, nomeadamente às relações matemáticas entre os diversos astros do universo. Faziam corresponder, inclusive, as notas com planetas. Assim, emergiu a ideia implícita de que a ordem que regeria o universo estaria contida, corporeizada, na música. A música como representação do «cosmos». A ideia de verdade, na Idade Média, está ligada, agora, à ideia de Deus. É ele o guardião da verdade e as Escrituras o veículo da sua mensagem. À música está entregue a tarefa de disseminar a ordem do mundo, emanada da verdade de Deus.
É nos início do século V que se ouve em Milão o canto «ambrosino», nome que devém do seu patrono St. Ambrósio, bispo de Milão. Milão, capital administrativa do Império, era um importante interposto comercial e onde convergiam as mais variadas «tendências» culturais da época. Não é de admirar a influência oriental. Mas o canto «milanês», com a assumpção da Igreja à força de Império, teve dificuldade em se defender da unificação operada pelo canto romano. Manteve a sua identidade, embora tivesse sido impossível manter-se afastado de alguma influência. Contudo, o contrário, a influência que teve sobre o canto romano, não deixa igualmente de ser um facto.
Com a audição deste álbum, julgo que é possível vislumbrar algumas coisas que aqui foram referidas. A mais evidente é a utilização exlusiva da voz e a inexistência de instrumentalização. Repare-se também na monofonia do canto, uma única linha melódica presente ao longo das músicas. Boa audição!


Chants de l´eglise milanaise


1. Lucernarium: "Paraui lucernam Christo meo"

2. Psalmellus: "Tui sunt celi et terra"

3. Ingressa: "Lux fulgebit hodie super nos"

4. Angelorum laus: "Gloria in excelsis Deo"

5. Psalmellus: "Tecum principium in die virtutis tue"

6. Aleluia. verset: "Hodie in Bethlehem puer natus est"

7. Offertorium: "Ecce apertum est templum tabernaculi"

8. Canticum: "Ecce quam bonum et jocundum"

9. Offertorium: "Hec dicit Dominus"

10. Responsorium: "Congratulamini mihi omnes qui diligitis Dominum"


Ensemble Organum

Lycourgos Angelopoulos (1) - Josep Benet (2) - Malcolm Bothwell (3)

Josep Cabré (4) - Laurent Brisset - Soeur Marie Keyrouz (5)
Marie-France Leclercq - Florence Limon
Pasquale Mourey - Pascale Poulard - Antoine Sicot


Dir. Marcel Pérès


Harmonia Mundi